sexta-feira, 6 de agosto de 2010

9 » Da captação de caras e matrículas (e do receio que nos roubem a alma)

Na edição do Público de dia 4 de Agosto, foi publicada uma notícia sobre as dificuldades enfrentadas pela Google quanto à implantação alargada do seu serviço Street View (vistas de rua integradas no Google Maps e no Google Earth). O argumento apresentado pela CNPD tem a ver com a impossibilidade registada até à data em assegurar a remoção de caras e matrículas das imagens que são capturadas pelos carros que procedem à sua recolha pelo país fora.

Tenho pontos de vista algo ambíguos quanto a este assunto. Não me faz espécie que essa captura seja feita e disponibilizada da maneira que é – trata-se de uma recolha de informação feita num espaço público. Qualquer pessoa que esteja na mesma posição de um dos carros do Street View pode ver excatamente as mesmas caras e as mesmas matrículas. Mais, pode fotografá-las. E se muitas pessoas estiverem no mesmo local, a testemunhar as mesmas caras e as mesmas matrículas, a memória colectiva dessas gentes poderá reconstituir essa realidade num momento posterior.

Naturalmente, o que está em causa não é o acto de fotografar as coisas em si, pois que elas se encontram em espaço público. Fotografar e divulgar o que se fotografou (de uma forma pública e com visibilidade universal, como o faz o Google) sem autorização do próprio, pode levantar dúvidas. Fotografar, fazer a sua divulgação e guardar o que se fotografou pode ser visto como exagerado, ou abusivo.

Na realidade, não sei que tratamento é que o Google faz das imagens que capta. Matrículas e caras deveriam ser removidas por um processo automático (mas nem sempre o são). Não sei o que mais é feito – se há contagem automática de quantas pessoas surgem em cada imagem, identificação de cada matrícula através de OCR, associação entre uma pessoa e um carro ou uma casa por estarem a entrar ou sair deles, tudo isto devidamente geolocalizado, etc.

Divagações à parte, pergunto a mim próprio se a preocupação da CNPD tem apenas a ver com o facto de haver divulgação pública desta informação (caras, matrículas...), ou se também há um receio manifesto quanto à constituição de bases de dados contendo esta informação. A primeira preocupação ainda entendo, muito embora a considere como uma contenda em vão – o «buraco analógico» não se aplica apenas aos conteúdos de natureza digital, mas afecta toda a realidade à nossa volta. Se uma coisa pode ser vista ou ouvida, também pode ser reproduzida mais tarde. Não é pelo facto de se impedir o Google de apresentar uma cara ou uma matrícula que deixamos de identificar qualquer coisa no Street View (quantas vezes não identificamos pessoas pela sua silhueta ou por uma peça de roupa?).

A segunda preocupação, relativa à potencial constituição de bases de dados com recolha de dados privados, cai numa das esferas de responsabilidade da CNPD. No entanto, é aqui que levanto as minhas dúvidas. Será que a Google utiliza a informação recolhida através do Street View (e respectiva meta-informação) para constituir uma base de dados devidamente estruturada e pesquisável, referenciando caras, locais, moradas e matrículas? Não sei. Tal como não sei se as múltiplas entidades, empresas e instituições que controlam as cerca de 40 câmaras de filmar existentes ao longo da Av. da República, em Lisboa, entre o Campo Pequeno e o Saldanha, em Lisboa (já as contei), usam as imagens recolhidas para fins menos adequados. É mais fácil apontar o dedo para um projecto visivel (Street View) do que para múltiplos eventuais projectos e aproveitamentos, cuja existência não seja reconhecida.

As dúvidas e polémicas que se levantam perante a captura e divulgação de imagens (de caras e de matrículas) lembram-me as histórias que se contam sobre as reacções de povos indígenas quando confrontados com máquinas fotográficas (e com os resultados delas). O receio por eles expresso era o de as fotografias lhes poderem roubar a alma. Vejo as polémicas que rodeiam o Street View, não só em Portugal mas também noutros países e penso se não estamos a assistir a uma nova variante desse medo, igualmente infundado. Ou será que os que se preocupam com a presença da sua imagem no Street View controlam com toda a precisão a amplitude da pegada digital que deixam diariamente no mundo (esta, o mais das vezes, sem qualquer possibilidade de controlo)?

N.B.: Não defendo a falta de preocupação com a quantidade de informação privada disponibilizada online. Acho simplesmente que, num serviço como o Street View, as vantagens ultrapassam de longe os inconvenientes. No estado actual das tendências vigilantes da nossa sociedade, dificilmente conseguimos controlar todos os pontos onde a nossa cara é captada diariamente, ou onde a nossa matrícula fica registada.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

8 » Quanta informação em formatos digitais?

Esta pergunta encerra em si várias (im)possibilidades. Não pretendo fazer contagens à escala universal (há quem as faça, com maior ou menor grau de sucesso e exactidão). Pretendo, isso sim, deslocar o âmbito de aplicação para a esfera privada. Ou seja, por outras palavras, quanta informação em formatos digitais já criámos ao longo das nossas vidas?

A pergunta fica no ar. Já existem várias tentativas de resposta (trabalhos em franca progressão). Sob pena de lançar uma opinião absoluta, atrevo-me a dizer que ninguém consegue saber ao certo a quanta informação já deu origem ao longo da sua vida. Mas podem ser tentadas algumas aproximações.

Abordei esta questão com curiosidade em saber se conseguia chegar a algum lado. Não só cheguei (com cálculo de valores para um período de quase 30 anos), como também dei origem a novas questões. Arranjar formas de alimentar estas questões (QIFD [Quanta Informação em Formatos Digitais] e DDD [Dados Diários Digitais]) tornou-se num jogo, com múltiplas regras e variáveis, parte das quais dificilmente controláveis. Chamar a este âmbito «esfera privada» permite reduzir a amplitude da abordagem. Ao mesmo tempo, revela impossibilidades nos pontos mais variados. Ao conduzir um carro com Via Verde, posso estar a actuar dentro da minha esfera privada, mas não faço ideia a quantos bytes de informação dou origem de cada vez que passo numa portagem. E esses bytes escapam por completo à minha esfera privada.

Este post é mais uma acha para a minha fogueira. Constitui também o ponto de partida público para (mais) um trabalho em franca progressão.